Crianças e medicação tarja preta


Conforme amplamente noticiado pela grande mídia nacional, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) publicou no dia 18/12/2015 uma resolução em que recomenda o fim da prescrição excessiva de medicamentos para crianças e adolescentes no tratamento de problemas relacionados à aprendizagem, ao comportamento e à disciplina. A resolução estabelece que seja um direito de meninos e meninas o acesso a alternativas que não envolvam uso de medicamentos.
A justificativa do Conanda, é que levou em consideração dados que mostram o aumento no consumo do medicamento metilfenidato (Ritalina) que é utilizado no tratamento de crianças e adolescentes com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Essa medicação segundo dados do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o Brasil se tornou o segundo mercado mundial no consumo do metilfenidato, com cerca de dois milhões de caixas vendidas no ano de 2010. Estudos apontam também para um aumento de consumo de 775% entre 2003 e 2012.
A resolução recomenda que o uso desse medicamento deva ocorrer somente após o diagnóstico preciso feito por uma equipe multiprofissional e seguindo as normas do Ministério da Saúde. “As questões ligadas à aprendizagem, ao comportamento e à disciplina muitas vezes são tratadas como problemas de saúde, o que acaba levando a medicalização de crianças e adolescentes mesmo sem uma análise aprofundada do problema”, explicou. “Para que seja administrado o metilfenidato, é preciso ter a análise de uma equipe multidisciplinar na área de saúde para de fato ter um diagnóstico preciso de que aquele é um problema de saúde e não um problema social, cultura, de adaptação e de integração”.
O Conanda destaca ainda a importância da promoção de práticas de educação e cuidados de saúde, o que envolve a oferta pelo Poder Público de orientação para familiares e de capacitação para profissionais responsáveis pelos cuidados de crianças e adolescentes. Além disso, os órgãos e entidades que integram o Sistema de Garantia de Direitos devem promover campanhas educativas e debates para a divulgação do direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de excessivo de medicamentos.
- Na teoria, ações como essa fazem parte do Brasil com a pratica médica que sonhamos. Coisa de 1° mundo. Imagine só ter os nossos jovens com queixas de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) sendo atendidos por equipes multidisciplinares completas antes de fechar o diagnostico e determinar a ação terapêutica. Tomando todo cuidado para não intoxicar os jovens com medicações que tem grande potencial de desencadear os chamados efeitos colaterais negativos do remédio.
Só que para nós Médicos que trabalhamos na ponta, ou seja, diretamente com os pacientes e ouvimos os relatos e as queixas dos seus familiares (em muitos casos para não dizer o desespero dos familiares) e convivemos diariamente com a precariedade e a falta de profissionais desses serviços, sabemos muito bem no caos que uma resolução dessas, se cumprida na integra, pode causar por falta de verbas para contratar todos esse profissionais. Aí o médico acabaria impedido de medicar o paciente. Já imaginaram que situação? Bom em se tratando do nosso país com a mentalidade dos últimos tempos nada mais me espanta.
Mas o que realmente me incomoda nessa questão é que os pontos mais importantes parecem ter sido simplesmente ignorados:
- Questiona-se o elevadíssimo aumento da venda de metilfenidato, porem desconsideram estudos que, segundo a ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria),  apontam que esse transtorno atinge 5% da população, o que daria um total de 10 milhões de pacientes portadores do TDAH. Então, nesse caso podemos dizer que muitos pacientes estão sem tratamento, ou seja, o grande numero de caixas vendidas é menor que a estatística de casos.  Lembrando ainda que uma vez que se inicie o tratamento o remédio é de uso continuo, então a quantidade total de caixas vendidas ao ano deve ser dividida pelos dias do ano para pensar aproximadamente o numero de pacientes. Claro que o numero não pode ser exato porque tem os tratamentos que acontecem de forma irregular, seja por abandono ou por falta de dinheiro para comprar o remédio e até de conseguir consulta com profissionais tão escassos no mercado como Psiquiatras e neurologistas. Ainda mais na rede publica. É claro que o governo não admite, mas sabem que temos mesmo é desassistência psiquiátrica e neurológica no setor público do país.  Então se dificultar a prescrição médica vai é acabar por deixar ainda mais pacientes desassistidos. É bom esclarecer que o remédio é considerado de alto custo e inclusive sendo também distribuído pelo Ministério da Saúde onde o médico já cumpre com um protocolo para justificar a prescrição. Já me ocorreu que isso também possa ser uma forma de diminuir ainda mais as verbas com saúde.    
Também sobre a prescrição médica dessa medicação é importante saber que entidades como a ABP alertam aos médicos que são contra o uso abusivo de qualquer medicamento, e esclarecem que os critérios para o diagnóstico e tratamento devem ser bem definidos. E, que o tratamento, se bem conduzido, traz grandes benefícios aos pacientes. Inclusive já emitiram um manifesto lançado e assinado por diversas instituições, como a ABP, a Sociedade Brasileira de Pediatria e ambulatórios de universidades como USP, Unicamp e UFMG, repudiando informações sem cunho científico divulgadas na mídia sobre TDAH, que chegam ao descalabro de afirmar que o transtorno não existe e levantam dúvidas sobre os benefícios do tratamento.
Outro fator que justifica esse aumento na venda dessa medicação é que os estudantes descobriram que ela tem potencial para ajudar na concentração e passaram a correr de forma desesperada atrás do remédio. Temos uma enorme população adulta buscando comprar o remédio de qualquer maneira. Principalmente “os concurseiros”. – Eu é que sei como essas pessoas são teimosas e até inconvenientes em sua abordagem, já ganhei muito desafeto porque nego a receita com veemência e ainda falo calmamente dos efeitos colaterais imediatos e dos riscos futuros. 
Finalmente é bom ressaltar que fica até meio ridículo alegar que os médicos estariam confundindo as diferenças entre crianças peraltas e inquietas com as crianças claramente portadoras de TDAH. Essa atitude só demonstra o desconhecimento dos protocolos da Organização Mundial da Saúde.  - Parece que em vez de ir à raiz do problema é mais fácil colocar a capacidade médica sob suspeita.





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